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O lado B da superdotação que você precisa conhecer para acolher

Por Camilla Alqualo, mãe, psicóloga. “Crianças superdotadas são “super” em muitas coisas, e nem sempre essas coisas são motivos de alegria”

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Confesso que, mesmo sendo psicóloga, o tema superdotação não me causava profundo interesse até alguns anos atrás. Meu entusiasmo foi aumentando à medida que minha filha foi crescendo, e percebi que seu desenvolvimento estava precoce em muitos aspectos.

Com um ano e meio ela tinha um amplo vocabulário e pronúncia perfeita, formava frases longas, conjugava verbos e formulava perguntas. Mas além da linguagem e raciocínio rápido, outras características também chamavam atenção. AHSD nem passava pela nossa cabeça, afinal, o senso comum nos ensina que os superdotados são verdadeiros “gênios”, não é? E não, definitivamente ela não era uma “gênia”, longe disso. E como numa caixinha surpresa, fomos descobrindo inúmeras características que passaram a fazer sentido, se tratando de uma criança AHSD.

O que nem todos sabem, é que nem só de flores vivem os pais de “crianças inteligentes”! Os desafios são muitos. O lado B emerge. Crises emocionais intensas, questionamentos sem fim, inconformismo, senso de justiça aguçado, perfeccionismo, racionalidade (“o tal sincericídio!”), hipersensibilidades (e põe hiper nisso!), alta empatia… a lista é longa, haha! Claro que as intensidades e formas como se manifestam variam muito de criança para criança, mas essas são características altamente comuns em AHSD.

Todos sofrem

E com isso, mães e pais sofrem juntos. Sofrem por não saberem até que ponto os comportamentos são “normais”, por não conseguirem compreender os filhos, por serem vistos como pais que “mimam os filhos inteligentes, e depois não sabem como colocar limites”, por não serem capazes de responder a todas as perguntas que as crianças trazem, por não terem paciência para explicar por que as formigas podem carregar 50 vezes mais que seu peso, e a mamãe não consegue levantar o sofá sozinha.

Esses perrengues ninguém vê, né? Crianças superdotadas são “super” em muitas coisas, e nem sempre essas coisas são motivos de alegria.

Elas podem chorar por horas a fio, sofrendo verdadeira e intensamente, porque você jogou fora o brinquedo velho e quebrado, sem antes pedir sua permissão (e na maioria das vezes o chororô nem é pelo brinquedo, mas pela falta de autorização pra jogar fora!).

Um filme pode causar uma comoção imensa, e a morte do papai leão gera um sofrimento real, a ponto de a criança não querer mais assistir nenhum filme por um bom tempo.

Os amigos que a excluem porque não veem graça em conversar com ela, podem fazê-la sentir que aquele é o pior dia da sua vida. A desmotivação na aula que não faz sentido, gera raiva intensa pela escola.

Um jogo de cartas pode ser causador de uma guerra sem fim quando a criança superdotada percebe que foi “enganada” por um blefe do adversário, e que isso a fez perder. “Isso é extremamente injusto, um absurdo!”, gritam elas.

Desafio das roupas

E os desafios com roupas? Passamos por bons estresses com minha filha, até entendermos que não adiantaria lutarmos contra a sensibilidade dela. Camisetas precisam ser largas, sem punhos e nada bordado. Blusas não podem ter gola grossa ou alta, e a manga não pode ultrapassar o punho. Contudo, calças são, definitivamente, o que fazem os vizinhos pensarem que a maltratamos, porque a cada “você precisa colocar calça porque está 5 graus lá fora”, eram dez gritos na janela (metade deles sendo: “odeiooooo meus pais!”).

Etiquetas? Tive que aprender a tirar até os fiozinhos de linha que sobram quando arrancamos as etiquetas. Meias grossas incomodam, curtas irritam, apertadas ou largas são detestáveis! Dia de fantasia na escola? Melhor improvisar uma camiseta pintada com guache. E a lista não acaba. É um processo longo até entendermos que eles são assim e precisam ser respeitados, e tudo bem ir jantar fora de chinelo ou ficar de shorts num dia frio.

O tal do lado B

Tristemente a superdotação é vista pela sociedade de forma rasa e superficial, e muitas vezes distorcida. Se você perguntar para quem não convive com um AHSD, ou não tenha estudado sobre o tema, provavelmente você vai ouvir algo como: “Ah, deve ser superlegal ter um filho assim, né? Você nem precisa se preocupar com nada, ele te dá muito orgulho e tem o futuro garantido, que demais!”. Ah… ninguém conta sobre o que falamos aqui em cima, e tantos outros pontos que nem vou me meter a comentar aqui, porque senão isso não seria um texto, e sim um livro.

O processo de aprendizagem é constante, e todos os dias surge uma novidade para nos desafiar. Paciência é imprescindível e o acolhimento é necessário. Eles são superdotados, superintensos e, mais do que tudo, super amados, e essa é a melhor parte do lado B!

 

Por  Camila Alqualo

Curadoria: Cilene Cardoso do Grupo Crescer Feliz

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